Há um ativismo que me convida a ver não apenas o que estou vendo, mas o modo como estou vendo o que vejo, me tornando consciente de que esse modo determina o que eu vejo, e de que eu sou criador e participante ativo disso que vejo.
Há um ativismo que me convida a ver as coisas não como coisas, mas como processos vivos onde tudo está emergindo a partir de sua própria vida e vontade. Que me convida a reconhecer a vida que há ali, invisível na sua essência, e que se manifesta pra mim nas partes que me são visíveis e na relação entre elas.
Há um ativismo que reconhece que a transformação, as situações, as pessoas são organismos vivos, únicos, plurais. Que me convida a ver que nada do que vive é isolado, pelo contrário, é sempre parte de algo maior, cada parte depende de outra parte, não pode existir sem a outra. Que me convida a reconhecer que ainda que eu não saiba qual é o sentido daquela situação a priori, nada é desconectado de nada, tudo tem sentido a partir da sua conexão e relação com as outras partes.
Há um ativismo que me convida a sustentar conscientemente uma atitude de compreensão, no lugar de tentar resolver. Que me convida a me aprofundar de tal forma no entendimento daquela situação, que ao não tentar resolver nada, algo se resolve; algo novo parece emergir de um lugar que antes estava invisível a todos, e que agora se revela, mesmo que disfarçado em perguntas ainda mais profundas.
Há um ativismo que me convida a me colocar junto do outro ou da situação. Que me convida a me trazer por inteiro e tão plenamente que me abro, me torno receptivo, disponível para escutar, a tal ponto que nesse escutar, nesse ajudar ao outro, eu mesma vou me transformando e me movendo junto com a transformação que ali acontece, simultaneamente.
Há um ativismo que me convida a estar em grupo, a reconhecer que precisamos uns dos outros pra nos acordarmos e vemos com mais clareza. Que me convida ver o que está por vir no vir a ser daquele indivíduo ou situação e, ao ver, dar vida a ele de forma respeitosa, carregando as verdades que vejo como possibilidades e não certezas. Que me convida a dar passos mais firmes e conscientes justamente por carregar neles essa qualidade da incerteza, me abrindo para que meu próprio caminhar e praticar sejam a mudança que desejo ver.
Esse ativismo me convida hoje e me convidará amanhã, a ir mais além. Ele é regido pelas leis da vida, do que é vivo. Não é um ativismo-coisa que eu possa conhecer por inteiro, pois não se acaba e está em constante desenvolvimento. É infinito. É atividade. É invisível. Como a vida que vive em tudo, e se expressa em cada um de nós.
Por Ana Biglione, reflexões a partir e sobre o encontro “Ativismo Delicado, uma prática de transformação profunda”. Na Noetá, em março de 2018.
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